Artigo 446 – Longevidade de CNPJs

“Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”
por Marcelo Veras | 27 de fev de 2023
Artigo 446 – Longevidade de CNPJs

Certamente, quando Vinícius de Moraes, em outubro de 1939, escreveu o inesquecível poema Soneto de Fidelidade não imaginava que um dia o texto pudesse ser usado no mundo dos negócios.

Desde a 1ª Revolução Industrial, há cerca de 220 anos, a expectativa de vida dos seres humanos só cresce. Naquela época, não passava dos 32 anos. Ainda depois de 100 anos de era industrial, por volta dos 1.900, não passava dos 35 anos. Porém, daí para frente, com o desenvolvimento científico nos trazendo remédios, vacinas, exames, cirurgias, transplantes, etc, não parou de crescer. Hoje, estamos com aproximadamente 71 anos na média mundial. Caiu um pouco depois da pandemia da Covid-19, mas segue crescendo década após década nestes últimos dois séculos. Obviamente há países com realidades diferentes. Enquanto Japão e Suíça têm 86 e 84, respectivamente, Zimbábue e Afeganistão têm 44 anos de expectativa média de vida. Mas uma coisa é fato: a agenda pela busca da longevidade humana segue forte e vamos um dia romper a barreira dos 100 anos.

Já a expectativa de vida média de CNPJs segue trajetória inversa e não para de cair. Os primeiros registros datam de 1.920, com tempo de vida de 67 anos para as empresas. Caiu para 25 anos por volta de 1.980 e, hoje, está perto de 15 anos. Ou seja, as empresas estão durando menos do que um pet. Sim, tem raça de cachorro que vive 17, 18 anos. E estima-se que, em 2.030, este número cairá para 7 anos. Por qual motivo? Por que a cada dia que passa olhamos para o lado e vemos uma empresa deixando de existir?

Para entender o fenômeno, basta voltarmos um pouco na história e lembrarmos dos pilares e dos legados da escola clássica da gestão, principalmente depois da 2ª Guerra Mundial. Inspirada nas forças armadas, única entidade na época que tinha Know How de como administrar um contingente de pessoas, fazendo-as cumprir horários, ordens e comandos, a chamada escola clássica da gestão nos ensinou a organizar uma empresa por divisão de tarefas (departamentos e áreas), a tratar as pessoas como um recurso (RH – Recursos Humanos) e que só dá o seu melhor se houver uma cenoura à frente ou um chicote por trás, a se comportar no mercado como se estivesse em uma guerra, fortalecendo posições e atropelando quem aparecer pela frente, a usar vitórias do passado como matéria-prima para planejar vitórias no futuro e, principalmente, a colocar uma capa de super-herói na sua liderança. Gosto sempre de apresentar nas minhas aulas de gestão estratégica uma frase que, por minha conta e risco, resume esta escola que formou muitos de nós e a maioria dos que ainda ocupam posições de liderança:

“Crie uma empresa, faça crescer, durar para sempre e atropele quem aparecer na frente!”

 Acontece que, desde a chegada do smartphone em 2.007, o que promoveu uma conectividade global sem precedentes na história, deu-se início a uma das maiores transferências coletivas de poder que se viu no mundo. Com este potente instrumento nas mãos, as pessoas se viram em um palco no qual puderam expressar “tudo” o que lhes motivavam. Este efeito de empoderamento se espalhou como uma pandemia, só que de “contaminados” pelo vírus do “Eu também posso”. A velocidade de processamento, armazenamento e transmissão de dados não parou de crescer e, junto com este fenômeno social, possibilitou a tempestade perfeita para o empreendedorismo em escala global. Com os custos de transação despencando e com a fragmentação da cadeia de valor, as startups começaram a brotar do chão. A duplinha “Transformação Digital” e “Negócios de Plataforma” dominaram a agenda da gestão na década 2.010 – 2.020 e criaram os novos impérios empresariais no planeta. Quase 100% deles foram outsiders que promoveram disrupções em setores dominados por gigantes. Em vários cantos do mundo, inúmeros Davis mataram Golias. E isso, repito, foi mais gasolina azul na fogueira do “Eu também posso”.

Desse mundo de empreendedores planeta afora, muitos (talvez mais de 90%) morreram antes de romper a zona de arrebentação. Mas alguns não só chegaram ao alto mar, como edificaram verdadeiros Titanics – os chamados Unicórnios – empresas avaliadas em mais de US$ 1 Bilhão. Este clube, que não para de crescer, já conta com mais de 1.200 empresas, sendo que mais de 90% foram criadas de 2.017 para cá, acredita? Isso mesmo! Nos últimos 6 anos, foram criados mais de 1.200 unicórnios, a uma média de 18,3 por mês. E a pandemia, ao contrário do que muitos apostaram, não fez este movimento arrefecer, muito pelo contrário. Contra uma média de 130 novos unicórnios entre 2.017 e 2.020, no ano de 2.021, foram novos 496. Todos estes dados estão nos relatórios mensais da Tracxn, que monitora este grupo de empresas.

A pergunta que lhe faço e que tenho feito em todas as minhas aulas e palestras sobre estratégia e liderança é: quantos e quais destes mais de 1.200 unicórnios estão preparando uma bala de prata para a sua empresa? Pergunta incômoda, provocativa, mas que merece atenção. Há quem aposte que este movimento é uma bolha e que, um dia, o Titanic afunda e morrem todas. Será? Eu não apostaria nisso.

Tenho dedicado muito tempo em leituras, entrevistas e visitas a lideranças de empresas longevas. O tema “longevidade” virou a minha nova paixão e tenho construído, aos poucos, algumas convicções que irei trazer aqui ao longo dos próximos artigos. Mas já deixo aqui o eixo central da minha tese. A frase “Crie uma empresa, faça crescer, durar para sempre e atropele quem aparecer na frente!” precisa ser atualizada urgentemente. Nela, não consta termos como: “Transformar”, “Ambidestria”, “Inteligência Coletiva” e nem “Negócios de Ecossistema”. Além disso, a sua visão de que seres humanos são recursos também já deu. Quem seguir tocando essa música da escola clássica provavelmente não estará aqui em 2.030. O que nos trouxe até aqui não nos leva ao futuro. Não mesmo...

por Marcelo Veras
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