Artigo 16 – Profissionalismo ou devoção

por Marcelo Veras | 03 de abr de 2012

Doe-se sempre, mas somente para o que valer a pena”

Fim de ano é isso mesmo. Tem gente que nem vê passar, mas a maioria das pessoas que conheço é invadida por um sentimento de fim de feira. Hora de fazer as contas. Ver qual foi o saldo do ano que se vai e pensar no que está por vir. Por um lado, eu até gosto. Como todo bom engenheiro, gosto de fazer balanços, fazer contas, “planilhar“ as conquistas, os fracassos e fazer o “orçamento” do ano que vem, tentando repetir o que funcionou e pensar em como não repetir os mesmos erros do ano moribundo. Hora de se fazer perguntas: - Será que foi um ano bom? Será que fiquei mais rico ou mais pobre? Será que ganhei mais amigos ou perdi? A minha saúde está melhor ou pior? Será que blá blá blá ... Por outro lado, todos nós sabemos que a verdade às vezes dói muito. A lucidez pode trazer sentimentos bem ruins. Às vezes a ignorância é bem melhor para a saúde. Então, chega uma hora que é melhor nem fazer contas e fazer de conta que ninguém ganhou e ninguém perdeu.

Mas neste fim de ano um tema em particular tem me chamado a atenção: será que vale à pena dar a vida por alguma causa ou é melhor ser comedido, econômico e “profissional” em tudo? Você já se viu neste dilema? Pois é, neste ano eu ouvi várias pessoas que, assim como eu, deram e dão a vida pelos seus projetos, sejam eles pessoais ou profissionais. Pessoas que nunca colocam o pé para ver se a água da piscina está fria. Atiram-se por completo. Pessoas que são realmente capazes de dar a vida pelos seus amigos, namorados (as), esposos (as), empresas, equipes, projetos etc.

E o ponto que mais me chamou a atenção neste fim de ano é que todos (ou quase todos) que conheço estão se questionando se teria valido à pena tanto empenho e doação por algumas coisas neste ano que acaba. Nunca vi tanta gente próxima a mim dizer que está se questionando se é justificável ser tão dedicado, tão leal, tão desprendido (a), tão disponível, tão empenhado (a) e tão comprometido (a). Tenho ouvido relatos, tanto no campo pessoal como profissional, de pessoas que afirmam ter feito renúncias por alguma causa, pessoa, empresa, e que, no final, foram ou se sentiram traídos, abandonados, desvalorizados e por aí vai. Ao ouvir e acompanhar essas histórias percebo claramente que, por mais que uns relutem, na verdade, o ser humano vive de recompensas. Quem quiser declarar que faz coisas sem esperar nada em troca que o faça, mas, eu duvido. E hoje, mais do que nunca, duvido peremptoriamente. Todo investimento gera uma expectativa de retorno. E esta expectativa é proporcional ao tamanho do investimento feito. Por isso tanta decepção. – Investi tanto e ganho isso em troca!?

Este dilema me forçou a estudar um pouco a palavra “devoção”, porque tem sido esta a palavra mais comum nessas minhas discussões sobre a “entrega” a alguma causa. Na verdade, todas essas pessoas se dedicaram a alguma causa de “olhos fechados”, se entregando a elas de forma integral e irrestrita. Fui, portanto, ao dicionário e vi que “devoção” significa “Ato de dedicar-se ou consagrar-se a alguém ou a entidade”. Em um pulo, corri para ver o significado de “consagrar”, porque esta palavra ainda deixou uma lacuna para o meu completo entendimento do que é de fato devoção. Consagrar significa “Tornar sagrado”. Ah, agora sim. Bingo! A ficha caiu de vez. Achei o nó a ser desatado.

Tornar sagrado, seja lá o que for, é uma atitude de poucos para com poucos. Não é à toa que esta palavra está tão fortemente associada a questões religiosas. Ser devoto é se dar por completo. Ser devoto é estar disposto a dar a vida. Ser devoto é dar a alma. E aí é que está o problema. Ao sermos devotos, nós esperamos um retorno à altura. Não dá para ser devoto e não esperar nadaem troca. Nãodá para ser devoto e esperar que alguma coisa de ruim venha do ser ou coisa ou Deus a quem se devotou. Este é o problema. A devoção custa demais. E quem investe nela, não quer ver o investimento virar pó ou render pouco. É quase matemático.

No artigo 8 (Lei irrevogáveis) eu tratei de uma das leis mais importantes e que “precifica” tudo na vida. A Lei da oferta e da procura. Tão simples de entender, mas tão difícil de compreender os seus efeitos na nossa vida pessoal e profissional. A lei é simples: A escassez gera valor. A abundância tira o valor. Ou seja, coisas raras valem muito e coisas abundantes valem pouco. E este valor, felizmente ou infelizmente, não é atribuído pelo fabricante, e sim pelo “cliente”. Entender isso no mundo dos negócios e das transações comerciais é fácil. Mas entender isso nos relacionamentos entre pessoas e pessoas e entre pessoas e empresas é bem mais complicado.

E o que isso tem a ver com devoção? Simplesmente tudo. Como eu disse anteriormente, a devoção sem limites é uma faca de dois gumes. Salva e mata, tudo ao mesmo tempo. Parece louco, mas é fácil de entender. Pense comigo. Todas as pessoas que conheço e que foram bem sucedidas na vida, seja no campo pessoal ou profissional, foram pessoas que se dedicaram muito, trabalharam muito, ralaram muito. Em outras palavras, foram pessoas que se entregaram aos seus projetos de forma singular. Foram verdadeiros “devotos”. Por outro lado, a impiedosa e irrevogável lei da oferta e da procura faz com que, às vezes, o excesso de comprometimento, devoção e dedicação, seja visto como algo banal, sem valor. É aquilo, se existe em abundância, perde o valor. E, mais uma vez, isso não é culpa de quem dá, mas sim uma atribuição de valor por parte de quem recebe. Às vezes as pessoas nem notam que estão desvalorizando algo tão valioso. É que, sei lá como e nem porque, quando a gente tem muito, de qualquer coisa, parece que aquilo se banaliza. É como se perdêssemos a noção do quanto aquilo é raro e precioso nos dias atuais, onde pessoas comprometidas, leais, fiéis e dedicadas não existem em cada esquina.

Não sei se fui claro, mas este dilema de final de ano (e de década) me faz pensar que as pessoas que são “devotas” por natureza vivem um grande drama e precisam tomar uma decisão. Continuarem sendo assim e, de vez em quando (ou de vez em sempre), verem a sua maior virtude transformada em carne de segunda, ou passarem a não se dedicar tanto e serem mais econômicas nas suas entregas?

Minha opinião sincera. Uma decisão de “tirar o pé” não é inteligente. O sucesso hoje, em qualquer campo, não vem nem de graça e muito menos com pouco esforço. Quem tem esta virtude, na minha modesta opinião, deve mantê-la e reforçá-la, pois só assim irá atingir objetivos realmente grandiosos na vida. Mas o meu conselho para aqueles que andam se desiludindo com seus “investimentos” é muito simples. Troque de investimentos. Se um projeto, seja ele qual for, não está valendo aquilo que custa e não está valorizando a sua devoção, troque de projeto ou fique sem projeto por um tempo. Continue dando a vida, mas pelas coisas e pessoas que mereçam. Eu ainda acredito nas parcerias completas, onde todos ganham e se doam na mesma proporção. Onde a confiança e a lealdade estão acima de tudo. Onde , reciprocamente, uma parte faz da outra um diamante, valorizando a virtude da doação como algo especial e de valor inestimável.

Se você é um devoto, continue sendo em 2011. Eu não vou jogar a toalha. Não jogue também. A recompensa virá! E se você tem devotos, cuide bem deles e não deixe para dar o devido valor somente quando os perder.

por Marcelo Veras
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